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A ilusão no vazio: Movimentos políticos extremistas e o espelhamento das partes odiosas da mente

O mundo está a mudar. Até para o observador menos atento, será provavelmente evidente que se verifica uma expansão de movimentos políticos extremistas a nível global. Apesar de não ser algo novo nem absolutamente surpreendente, seria de esperar que tivéssemos aprendido com a história recente. Não parecendo ser possível fugir ao confronto com esta realidade, urge então pensar no seu significado e procurar áreas de intervenção e desintoxicação comunitárias e sociais.

A legitimação dos discursos de ódio a que temos assistido mais não parece ser do que a aceitação e encorajamento dos núcleos mais primários e destrutivos existentes no Homem. De repente, torna-se aceitável que a rejeição do outro e da sua diferença seja verbalizada de forma absolutamente violenta, parecendo poder coexistir com uma sociedade que se pretende cada vez mais justa e humana. Da discordância passa-se ao ataque, do desagrado passa-se ao ódio visceral – sem espaço “entre”, de aceitação das diferenças.

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Ao encontro da Liberdade

Canta-nos Sérgio Godinho que só há liberdade a sério quando houver liberdade de mudar e decidir. Talvez liberdade de pensar, liberdade de ser quem se é, independentemente da expectativa do outro sobre nós, e de acordo com os nossos próprios pressupostos. Este direito – que deveria ser insofismável, como bem sabemos – é frequentemente posto em causa e organizamo-nos a partir de amarras internas que se traduzem não num viver, mas num sobreviver, numa hiperadaptação e desencontro, ou até mesmo num “nunca-encontro” connosco mesmos.

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O amor não fica à porta

Não, filho, tens de entrar sozinho. Não, eu não posso entrar, é aqui que nos despedimos. Eu sei que não conheces ninguém, que nunca aqui entraste, mas não poderá ser de outra forma. Vá, vais brincar e explorar, vais fazer corridas, desenhos ou até reclamar por aquele brinquedo mesmo especial. Estás cheio de saudades de brincar com outras crianças, não estás? Então, aqui vais ter muitas com quem brincar! Eu sei que adoras brincar ao faz-de-conta, e de rapazinho passarás facilmente a super-herói ou talvez vilão – mesmo que, na realidade, não passes de um menino assustado que se vê obrigado a crescer mais do que seria razoável exigir.

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Do “cada um sabe de si” ao “estou aqui para ti”

Muito se tem escrito desde que Pedro Lima, ator bem conhecido do grande público, se suicidou. Além da não surpreendente cobertura jornalística, em que há uma excessiva exploração deste tema tão difícil e multifactorial, geralmente de forma leviana e profundamente desrespeitosa para com família e amigos, encontram-se um sem-fim de publicações no Facebook e no Instagram, onde comentários aparentemente pouco problemáticos saltam à vista.

“Ele lá sabe.”

“Antes ele que eu.”

“Não somos ninguém para julgar, lá teve os seus motivos.”

“Cada um sabe de si.”

Ora, Pedro Lima estava doente. Não interessa explorar a sua situação específica, por respeito a todos os que o amam. Mas, se há algo se pode retirar de toda a gravidade da situação, é que a depressão não é só tristeza, não é só fragilidade – é, na realidade, muitas vezes acompanhada de sorrisos. A depressão é um monstro que se infiltra por debaixo da pele, que grita mais alto que as palavras de afeto e os abraços dos que são próximos, que tolda a visão e traz desespero. O suicídio nunca é uma decisão descomplicada, em que “cada um sabe de si”, como quem está indeciso entre escolher carne ou peixe para o jantar. Estamos a falar de continuar a viver ou preferir morrer, tal não é a escuridão avassaladora que povoa o mundo interno de quem se encontra nesta situação.

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Como é que o bicho mexeu… connosco

Nestes últimos dois meses, as noites de segunda a sexta de muitas pessoas foram passadas no Instagram, a descobrir Como é que o Bicho Mexe, direto de Bruno Nogueira. Aí, milhares de pessoas assistiram a conversas espontâneas, criativas e, sobretudo, com muito afeto, entre o humorista e os amigos, com especial destaque para Nuno Markl e Filipe Melo, companheiros já de outras viagens. Durante estas noites dolorosas para tantos, com um estado de emergência que privou todo um país da sua liberdade, aquilo que se passou foram momentos de verdadeira comunhão, que culminaram, na passada sexta, no cortejo natalício mais delirante alguma vez ocorrido – ou não estivéssemos nós a 15 de maio.

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Sobre a esterilização do brincar

Dois metros de distância entre crianças.

Brinquedos unipessoais e intransmissíveis.

Isolamento dos grupos.

Expressões faciais ocultadas por máscaras e viseiras.

Ninguém duvida da necessidade de que a vida vá voltando ao normal, de que os pais possam regressar ao trabalho que tão necessário é, de que as creches voltem a ter fontes de rendimento, mas não podemos perder a noção do que está em risco. Crianças com dois metros de distância entre elas? Sem se poderem tocar, brincar umas com as outras, partilhar brinquedos, lutar, abraçar?

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A cegueira em tempos de pandemia

Pandemia. Só a palavra assusta – parece vinda de cenários apocalípticos ou filmes de ficção científica. Mas não, é a nossa realidade atual, quer queiramos, quer não. São tempos conturbados, estes. Poucos acreditavam que se chegasse até este ponto, o que nos leva à grande questão: o que permitiu ao Covid-19 adquirir toda esta dimensão real e simbólica nas nossas vidas?

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