Não, filho, tens de entrar sozinho. Não, eu não posso entrar, é aqui que nos despedimos. Eu sei que não conheces ninguém, que nunca aqui entraste, mas não poderá ser de outra forma. Vá, vais brincar e explorar, vais fazer corridas, desenhos ou até reclamar por aquele brinquedo mesmo especial. Estás cheio de saudades de brincar com outras crianças, não estás? Então, aqui vais ter muitas com quem brincar! Eu sei que adoras brincar ao faz-de-conta, e de rapazinho passarás facilmente a super-herói ou talvez vilão – mesmo que, na realidade, não passes de um menino assustado que se vê obrigado a crescer mais do que seria razoável exigir.
Não, por detrás das máscaras não se esconde nenhum monstro – só pessoas como nós, ansiosas por te conhecer. Sim, eu sei que não as conheces e que ainda não te sentes confortável, e que nem nos vais poder ver a conversar descontraidamente para te ires tranquilizando. Vês os olhos a sorrir? Sim, o sorriso mantém-se, mesmo não se vendo! E, quando chorares, por dor numa perna ou no coração, os abraços vão continuar a existir, de certeza.
Acho eu.
Espero eu.
Eu sei que pode ser um pouco assustador. Para mim também o é – mas tenho de confiar. Em ti e nas tuas capacidades, em nós enquanto família, que te teremos dado ferramentas para enfrentares estas coisas difíceis da vida, e em quem te recebe e que terá de saber fazer o malabarismo mais delicado e importante de sempre – equilibrar saúde física e saúde mental em tempos de pandemia. A própria (porque os adultos também sofrem com isto, sabes?) e a das crianças de quem estarão a cuidar.
Mas sei que sabes que o meu amor por ti não fica à porta. Fica nas memórias às quais te vais poder agarrar quando te sentires triste, porque a tristeza faz parte da vida; seria absurdo achar que te podemos proteger de tudo. Fica no que te vou conseguindo explicar, procurando não projetar as minhas próprias angústias e dando espaço àquilo que é uma preocupação para ti. E fica, principalmente, na permanência do abraço que te dou ao nos despedirmos à porta, com a certeza de que, ao deitar, te continuarei a puxar os lençóis para cima e a dizer que te amo.
Gustav Klimt, Mother and Child (detalhe de Three Ages of Woman), 1905
