A cegueira em tempos de pandemia

Pandemia. Só a palavra assusta – parece vinda de cenários apocalípticos ou filmes de ficção científica. Mas não, é a nossa realidade atual, quer queiramos, quer não. São tempos conturbados, estes. Poucos acreditavam que se chegasse até este ponto, o que nos leva à grande questão: o que permitiu ao Covid-19 adquirir toda esta dimensão real e simbólica nas nossas vidas?

Há quem diga que o pior cego é aquele que não quer ver, e, de facto, podemos cair na tendência para relativizar um problema desta magnitude, na esperança – absurda, diga-se de passagem – de que esse tipo de pensamento mágico tenha algum efeito real. “Não há de ser nada”, dizem uns enquanto vão para a praia, que este calor não se desperdiça. “Eu sou saudável”, dirão outros enquanto saem à noite, dando uns golos em bebida alheia, nunca antes degustada, e que afinal até é boa. “Isto não é pior do que a gripe”, dirão ainda outros que passam a tarde nos centros comerciais a espirrar e a tossir, mexendo e remexendo nos artigos que outros terão de arrumar, com mais amostras de ADN que um laboratório em hora de ponta.

Seremos um povo eternamente otimista, com alguma tendência para achar que o mal só acontece aos outros? Teremos uma dimensão egoísta que sobressai nestes momentos e nos impede de ver o outro e a sua realidade, porque não nos dá jeito ter de alterar os nossos hábitos e rotinas? Será o medo tão difícil de enfrentar e de gerir internamente que acabamos por bloquear os afetos despertados por esta situação, entrando num registo de descontração fingida, colocando-nos a nós mesmos e aos outros em risco? Talvez o pior cego não seja só aquele que não quer ver. Talvez seja, também, aquele que não consegue olhar para si mesmo como parte integrante de um todo, onde outros também existem. Talvez seja aquele que, inseguro do seu próprio valor, também não reconhece o valor do outro, abordando este problema com uma leviandade perigosa. Talvez seja ainda todo aquele que não reflete, que não pondera, que nem sequer aprende com exemplos próximos – vejam-se os casos de Itália e Espanha.

Vale de pouco chorar sobre o leite derramado – o ideal é mesmo evitar que ele se derrame. Qual é então o papel que cada um de nós quer assumir nesta pandemia: de contenção ou de propagação? De contenção, dirão quase todos. Ora, como nos poderemos então proteger a nós mesmos e aos outros mais frágeis do que nós, num movimento recíproco e profundamente humano? Muito se poderá pensar, ponderar, conjeturar… Mas, na realidade, é muito simples. Lavem as mãos. Limitem contactos. Fiquem em casa. O mundo lá fora estará à espera de todos, com tudo o que de bom tem para oferecer, quando tudo isto melhorar. E não há que enganar – tudo isto melhorará mais rapidamente se forem cumpridas todas as orientações. Chega de positivismo exacerbado. Chega de egoísmo. Vamos abrir os olhos que esta é uma luta de todos.

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