“Vive, dizes, no presente;
Vive só no presente.

Mas eu não quero o presente, quero a realidade;
Quero as coisas que existem, não o tempo que as mede.

O que é o presente?
É uma coisa relativa ao passado e ao futuro.
É uma coisa que existe em virtude de outras coisas existirem.
Eu quero só a realidade, as coisas sem presente.

Não quero incluir o tempo no meu esquema.
Não quero pensar nas coisas como presentes; quero pensar nelas como coisas.
Não quero separá-las de si-próprias, tratando-as por presentes.

Eu nem por reais as devia tratar.
Eu não as devia tratar por nada.

Eu devia vê-las, apenas vê-las;
Vê-las até não poder pensar nelas,
Vê-las sem tempo, nem espaço,
Ver podendo dispensar tudo menos o que se vê.
É esta a ciência de ver, que não é nenhuma”.

                                                           Alberto Caeiro, in “Poemas Inconjuntos”

Poucos autores terão descrito estados de alma tão bem quanto Fernando Pessoa. Aqui, na voz do seu heterónimo Alberto Caeiro, encontramos a inquietude de quem não se quer deter no aqui e no agora, de quem sabe que no passado encontra o seu presente, de quem entende que não há cisão interna entre o antes, o agora, o depois. Melhor dizendo: o passado, o presente, o futuro.

Num processo psicoterapêutico, em que tantas vezes encontramos pessoas com dificuldade em avançar no sentido que desejam para a sua vida, é comum encontrar o impacto de experiências passadas no sentir da atualidade. A dor não tem prazo de validade, por muito que gostássemos de acreditar que o tempo cura tudo. A realidade é que não conseguimos decidir esquecer o que nos magoa, ultrapassar os episódios dolorosos do nosso passado, desligar o botão do sofrimento.

O que se torna possível neste contexto psicoterapêutico é isto mesmo: a criação de um lugar sem tempo nem espaço, livre de conceções prévias ou expectativas definidas por outros. Um lugar onde cada um encontra o seu sentido próprio, demorando o tempo de que necessitar, e sendo, nesse processo, sempre respeitado, escutado, contido.